"A EDUCAÇÃO EM
INFORMÁTICA NA TERCEIRA IDADE"
A EDUCAÇÃO EM INFORMÁTICA NA TERCEIRA IDADE[1]
Maria Anália Catizane
Ramos*
É porque dizem respeito aos
humanos
que estas viradas na história
dos artefatos informáticos
nos importam (Lévy).
Vivemos hoje o momento de informatização da vida humana. Devido ao avanço
na tecnologia e conseqüentemente nas telecomunicações, temos acesso às
informações imediatamente ao seu acontecimento, ou seja, a INFORmação se
tornou autoMÁTICA.
A
Informática é considerada hoje mais do que o uso de um computador, instrumento
matematizado de informações que nasceu da matemática para solucionar
determinado problema de uma determinada cultura e se tornou um patrimônio da
humanidade. Ela é a ciência do tratamento automático e racional da informação,
é um conjunto de ferramentas que através da utilização de máquinas
(computadores) e programas (software) permitem ampliar o pensamento e a ação
humana.
Através da informática se abrem novas possibilidades de exploração,
transformação e criação de conhecimentos, além da já citada divulgação
instantânea dos mesmos.
Para avançarmos nessa questão, vale buscar a obra de Pierre Lévy (1993)
que considera a técnica um dos mais importantes temas filosóficos e políticos
de nosso tempo. Para Lévy, o computador vai além de uma máquina, ou seja, é
mais que uma máquina. O autor se atém à interface do homem com o computador,
coloca o foco sobre o social e diz não ser possível separar o técnico do
social:
É preciso deslocar a ênfase do objeto (computador,
programa, este ou aquele módulo técnico), para o projeto(o ambiente cognitivo,
a rede de relações humanas que se quer instituir)(p.54) .
A informática, segundo o autor, é uma continuidade
de uma “história das tecnologias intelectuais e das formas culturais que a elas
estão ligadas” (p. 75).
Lévy (1993) relativiza a idéia de que a técnica em
si não é boa nem má, mas dependerá do uso que se faz dela. O autor diminui a
distância entre a máquina (técnica) e o usuário (homem), ao propor que o
usuário, na verdade, dá continuidade a uma
cadeia de usos já iniciadas anteriormente, desde a
construção do computador. Afirma que “não há, portanto, a técnica de um lado e
o uso do outro, mas um único hipertexto, uma imensa rede flutuante e complicada
de usos, e a técnica consiste exatamente nisto” (p. 59).
Daí, conclui o autor que o uso é coextensivo ao processo técnico, isto é,
os homens não estão separados dos objetos e, sim, fazem parte de uma mesma
rede, de um mesmo hipertexto, em que todas as coisas mediatizam as relações
humanas, motivo pelo qual a atividade técnica é intrinsicamente política ou
antes cosmopolítica.
O autor tenta mostrar ainda
“que não há informática em geral, nem essência congelada do computador, mas sim
um campo de novas tecnologias intelectuais, aberto, conflituoso e parcialmente
indeterminado” (p. 9). Nessa visão, a tecnologia está colada à política e à
cultura. E o computador se tornou um dispositivo técnico através do qual
percebemos o mundo.
Um dos pilares de sua teoria é a
abordagem ecológica da cognição. Lévy (1993) defende a idéia de ecologia
cognitiva como a “idéia de um coletivo pensante homens-coisas, coletivo
dinâmico povoado por singularidades atuantes e subjetividades mutantes” (p.
11).
Em relação às críticas feitas à informática, de que
ela destruiria a história, ou ainda que encarnam o mal, Lévy tenta contrapor
essa visão pessimista, buscando um entendimento dela na história do homem.
Segundo ele, no início, sob o regime da oralidade primária, não se dispunha de
quase nenhuma técnica de armazenagem exterior de informações; logo, o coletivo
humano era só com sua memória. Com o advento da escrita, o conhecimento pôde
ser separado da identidade das pessoas.
Já no saber informatizado, as informações são
perecíveis e transitórias. O conteúdo da memória de um computador não contém
sínteses ou idéias, são antes espelhos os mais fiéis possíveis do estado atual
de uma especialidade ou de um mercado. Ou seja, os estados anteriores do
conhecimento não são armazenados. Esse conhecimento existe no sistema apenas no
seu estado mais recente, no tempo real, na operação em andamento.
Ao computador interessa a velocidade, e essa
velocidade se aplica à produção e ao desgaste acentuado das informações. Daí,
vem a visão pessimista em relação ao computador, pois ele estaria desertando a
perspectiva histórica da cultura, ou seja, a cultura estaria sendo destruída e
o fim da história se aproximaria.
Devemos considerar que o mundo dos “átomos” não será varrido de nossa
cultura. Apesar dos “bits” estarem ganhando terreno, livros históricos,
reflexivos ou críticos continuam a ser publicados; outros ritmos de formação e
difusão dos conhecimentos continuam insubstituíveis: as habilidades e
representações ainda são transmitidas e transformadas de forma oral nas
famílias, grupos de trabalho e nas diversas redes sociais.
A imagem idealista dos bons velhos tempos pode levar a pensamentos de
lamentação em relação a um declínio da cultura geral ou à derrota do
pensamento. É mais difícil mas também mais útil apreender o real valor do que
está nascendo, torná-lo autoconsciente, acompanhar e guiar seu movimento de
forma que venham à tona suas potencialidades mais positivas.
As críticas devem trazer um aperfeiçoamento da coexistência e
interpretação recíproca dos diversos circuitos de produção e de difusão do
saber, pois a irreversibilidade da informática é inquestionável.
Profundos paradoxos caracterizam esta nova era, a era da informática e,
junto com ela, a nova economia. Vivemos numa época singular, marcada pela
enorme criação de riqueza, pela explosão das inovações e ao mesmo tempo marcada
pelo sentimento agudo de alienação e isolamento, que ocorre quando os efeitos
da informática, como, por exemplo, a
economia globalizada, atingem os indivíduos que ainda não tiveram acesso
à modernidade.
Tecnologia e Democracia
Em uma sociedade informatizada, é
imprescindível o domínio das ferramentas que possibilitam o acesso e a
manipulação da informação.
Silva (1998), em sua dissertação de
mestrado, cita o relatório CEPAL/UNESCO(1992) – Comisión Econômica para a
América Latina y el Caribe – Oficina regional de Educación para América Latina
y el Caribe – onde segundo a autora se percebe a
insistência na questão das habilidades e conhecimentos
necessários ao mundo moderno, através de afirmações como a de que toda a
população deve ser capacitada para manejar códigos culturais básicos da
modernidade (p. 2).
Entretanto, uma crítica feita a esse relatório é que não é sequer
mencionada a importância da informática para os indivíduos que não estão
profissionalmente produzindo. Esses indivíduos, entre outros, não têm acesso à
informática e, daí, se coloca uma questão: é possível uma compatibilidade entre
democracia e tecnologia?
Em relação à questão apontada acima, Almeida (1998) argumenta que todo
processo tecnocientífico tende a não admitir democracia. E, ainda, nos alerta
para o fato de que os homens vão se tornando desiguais pela diferente
apropriação que fazem do conhecimento tecnocientífico. Esse autor afirma:
O computador desenvolve-se num mundo de
supervalorização do pensar. É na divisão do trabalho que o trabalho pensante
vai ganhando espaço, formando-se, controlando, reservando a si a melhor parte
dos benefícios produzidos pela relação entre trabalho intelectual e manual. No
campo das consciências e da ideologia, os computadores operam como componentes
essenciais desta divisão justificando e ampliando tal separação e tais
controles (p. 41-42).
Pensamos que a criação de condições que possam beneficiar o maior número
de pessoas possíveis, das mais diferentes classes sociais, etnias e idade, ao acesso à informática,
constituiria uma ação de fato democrática.
Lévy (1993) vem apresentando uma posição diferenciada dessa defendida por
Almeida (1998): defende a possibilidade da tecnodemocracia, que poderá
acontecer através do entendimento e domínio da técnica. Nas palavras de Lévy:
Renunciar à imagem falsa de uma tecnociência autônoma,
separada, fatal, toda-poderosa, causa do mal ou instrumento privilegiado do
progresso para reconhecer nela uma dimensão particular do devir coletivo,
significa compreender melhor a natureza deste coletivo e tornar mais provável o
advento de uma tecnodemocracia (p. 196).
Entretanto, mesmo concordando com o autor, constatamos que, para os
jovens, a entrada no campo da informática é mais tranqüila, visto que,
considerados como a geração digital, estão adaptados à tecnologia emergente,
pois cresceram com ela. Por outro lado, os adultos são motivados a se
atualizarem, devido à necessidade de sobreviverem no mundo do trabalho. Porém,
há um segmento da população que tem sido deixado de lado: os velhos.
Os argumentos usados para tal são
vários: computador não combina com envelhecimento; o idoso não necessita da
informática; o idoso não possui capacidade intelectual para esse aprendizado,
visto que sua memória está comprometida e seus movimentos são lentos, entre
outros. O velho, portanto, fica numa posição estigmatizada e penosa,
dificultada pelo desconhecimento dos códigos tecnológicos da modernidade.
É possível uma interação amigável entre o idoso e a
informática? Na tentativa de buscar respostas para essa questão, entre outras
preocupações com a posição do idoso na nossa sociedade, acompanhamos durante
seis meses o curso de informática, para os idosos do Programa de Extensão Funrei com
a Terceira Idade.
Nossa investigação contou com sete idosas
aposentadas, oriundas das camadas populares, cuja idade variava entre 57 a 75
anos, moradoras de uma cidade do interior de Minas Gerais. Quatro dessas
mulheres eram casadas, havia uma viúva e duas solteiras. O nível de escolaridade
predominante era o primário. Todas, exceto uma, desenvolveram alguma atividade
profissional. Essas mulheres, certamente, se diferenciavam de outras idosas que
conhecíamos por diversos aspectos: a procura de um curso de informática, o
exercício de alguma atividade profissional antes e após o casamento e a
rebeldia contra um papel feminino tradicional.
A velhice que essas mulheres temiam era a velhice
doença, da perda de autonomia, da dependência. Nesse sentido, as enfermidades
passaram a ser temidas, pois representavam o fim da independência, o fim da própria
vida. Enfim, essas mulheres não representavam o estereótipo da velha, seja no
vestir (usavam roupas coloridas e atuais), seja na postura (eram dinâmicas,
criativas, alegres, inovadoras), seja na maneira de representar a velhice (não
se consideravam velhas, mas “jovens idosas”), tudo isso talvez em estreita relação
com a escolha de um curso (informática).
O objetivo
dessa iniciativa de ter o curso de informática para idosos era desmistificar o computador para essas
alunas, propiciando um contato com a “temível” máquina e capacitá-las para
manusear o computador na utilização de programas simples com funções e modelos
pré-definidos.
Pretendíamos, ainda, possibilitar ao usuário, além do manuseio do
equipamento básico (hardware) e dos
recursos do programa (software), uma
posição crítica diante da tecnologia, da modernidade. Ou seja, a proposta ia ao
encontro da alfabetização em informática.
A alfabetização em
informática “é um processo tal como a alfabetização na escrita de um idioma. A
rapidez de tal aprendizado, no caso da educação de adultos, depende muito do
empenho e objetivos daquele que aprende” (Silva, 1998, p. 35). Para que uma
alfabetização em informática seja bem-sucedida, necessário se faz que o usuário
possua certas competências, tais como: habilidades técnica e operacional de
usar um computador e periféricos relacionados; habilidades cognitivas para
converter um dado problema em uma estrutura formal de compreensão, como uma
seqüência lógica de comandos ou entrada de dados por computadores ou
periféricos relacionados e habilidades mentais para interagir em uma linguagem
operacional com o computador ou periféricos relacionados (Pelgrun e Plomp,
citados por Silva, 1998).
Encontros e Desencontros da Tradição com a Modernidade
A análise dos dados
levantados nas observações, nas entrevistas e nos questionários levou-nos a
diversas constatações. No primeiro dia de aula, cada idosa sentada em frente a
um computador ouvia atentamente o que o instrutor dizia e sorria não
conseguindo disfarçar a emoção, o contentamento e ao mesmo tempo o medo:
Eu tinha medo de mexer. Já o meu neto mexe
em tudo. Então resolvi tentar (Lígia).
Fiquei muito emocionada no primeiro dia que
tive contato com o computador. Foi uma emoção mexer nas teclas, bater as letras
(Clarice).
Essa reação pode ser compreendida se levarmos em conta que, para
caminharmos nesse mundo informatizado, somos obrigados a lidar com máquinas e
estas, às vezes, nos assustam, nos causam medo e, ao mesmo tempo, fascínio e
encantamento. Frente ao desconhecido, podemos assumir posições diferentes: ou
nos afastamos dele por medo ou o enfrentamos, apesar do medo.
Foi possível perceber também a emoção dessas
senhoras que se fazia sentir pelo sorriso contido, pelo brilho do olhar, pelo
temor manifestado no tremor das mãos ao tocar o mouse, pelo olhar de gratidão por estarem vivenciando algo tão
novo. É o que nos fala uma aluna com um grande sorriso:
... não consigo fazer a setinha parar, esse
tal de mouse é pequenininho, mas perigoso. Mas, isto aqui tá uma beleza!!! (Adélia).
As alunas nas primeiras aulas faziam anotações
em um caderno que traziam de casa: nomes como CPU, mouse, estabilizador, a
seqüência correta para ligar e desligar
o computador. Nas aulas seguintes, foram ficando mais participativas, mais
soltas e aí sugeriram ao instrutor que escrevesse no quadro o que estava
falando, para que elas pudessem copiar e estudar em casa. Posteriormente,
reivindicaram a confecção de uma apostila, o que, segundo elas, "facilitaria a memorização". Nas primeiras aulas, observamos ainda uma grande
solicitação da ajuda do pesquisador e do instrutor, o que era feito ao mesmo
tempo por todas elas, gerando uma
grande agitação na sala. Isso
foi diminuindo à medida que foram ficando mais seguras e, portanto, com menos medo do computador.
Uma
pergunta sempre me era feita pelas idosas: “será que vamos conseguir?” Pareciam querer se certificar de que conseguiriam entrar no mundo da modernidade. Foi digno
de registro a alegria que expressavam quando aprendiam algum comando ou ainda
da euforia para brincarem com os diversos jogos. É o que bem expressa,
respectivamente, Raquel que reúne toda sua família na tela do computador e
Adélia que faz planos para o futuro:
Escrevi o nome de
toda minha família, todos estão aqui. Estou emocionada mesmo.
Nem que a vaca tussa, vou comprar um computador pra mim e aí vou ensinar minha filha.
Os termos
técnicos em inglês, tais como backspace,
mouse, home, end, page up, caps lock dentre outros, em muito chamaram a atenção das
senhoras que comentavam o fato dizendo
estarem aprendendo computador e inglês.
Pedimos às
alunas para digitarem e completarem a seguinte frase: “para mim, o curso de
informática........” Ao que complementaram:
Tô gostando
demais, a cada dia é uma nova emoção. Nem acredito que estou aprendendo
computador. E olhe, não é tão difícil (Adélia).
Adélia, ao dizer da sua incredibilidade em
relação ao estar adquirindo conhecimentos do campo da informática, nos revela a
menosvalia sentida pelas pessoas que estão vivenciando a velhice, o que se
agrava mais ainda quando ela está associada à pobreza.
Está sendo
difícil, mas vou em frente e se Deus quiser ainda vou ser uma aluna muito
aplicada (Raquel).
Está sendo um
pouco difícil, mas breve estarei aprendendo (Lígia).
Raquel e Lígia, através de seus depoimento nos remetem a Kurt Lewin
(1942), autor que se interessou principalmente pelo conceito de aprendizagem, tomado como vários tipos de
mudanças, entre elas: mudança na estrutura cognitiva, mudança na motivação
(significa aprender a gostar ou não de certos aspectos de um espaço vital),
mudança no sentimento de pertencer a um grupo e mudança no corpo de valores de
um indivíduo. O que constatamos, considerando as falas de nossas duas
informantes, é que apesar da dificuldade que vêm tendo com a aprendizagem da
informática, houve uma mudança de motivação, para aprender.
Está sendo difícil
devido me encontrar um pouco cansada, ou seja, com depressão, mas em breve
estarei boa, se Deus quiser e aí vou aprender mais (Nélida).
Nélida manifesta sua intenção para a
aprendizagem da informática, em que pese seus problemas de saúde.
Está sendo muito
bom. Não estou tendo muita dificuldade. O problema é não poder treinar em casa.
Como não pratiquei datilografia depois que fiz o curso, a digitação fica muito
lenta (Clarice).
Está sendo ótimo (Cora).
Clarice e Cora nos falam de sua motivação para
a aprendizagem. Apesar de Clarice apontar um dificultador, ele não constitui
uma barreira que impeça o manuseio do computador.
Está sendo ótimo.
Eu estou aprendendo com facilidade. O professor é muito paciente e nos ensina
com muito carinho. Fico fascinada com o computador (Cecília).
Cecília nos fala de seu fascínio pelo computador, remetendo-nos para a
magia da máquina, como dissemos anteriormente. O computador ainda está distante
da maioria dos idosos, por isto é visto como mágico e fascinante.
Esses depoimentos nos levam a reconsiderar as
dificuldades sentidas por nossas informantes em relação à máquina: a magia do
computador, o medo do contato com ele, a menosvalia por ser idoso e pobre, a
dificuldade em lidar com o mouse, as
deficiências de memória etc. Podemos
afirmar que houve uma mudança de paradigmas quanto às dificuldades, ou seja,
ainda que as idosas de nosso estudo estivessem conscientes dessas dificuldades,
sentiam que elas não mais seriam
intransponíveis. A intenção de aprender prevaleceu e a motivação para
tal se fez constante.
Portanto, podemos dizer que, em que pesem as dificuldades iniciais do
grupo em lidar com o computador, a interação delas com a informática se mostrou
amigável. Aliás, necessário se fazia
que viesse a ser, pois esse é um compromisso que deveria ser assumido por todas
as pessoas que estão comprometidas com a justiça social, com a democracia e com
o ser humano.
As
Representações da Informática pelas
Idosas
Que sentido os idosos atribuem à informática?
Segundo Lévy (1993), o ato de atribuir sentido a um texto significa ligá-lo a
outras conexões, conectá-lo a outros textos, isto é, construir um hipertexto. O
texto pode ser o mesmo, mas as interpretações dadas a ele poderão ser
diferentes, dependendo da rede de relações de cada um. Portanto, para um mesmo
texto poderemos ter diferentes hipertextos.
Diante do enunciado, a resposta à questão acima
certamente estará na dependência da maneira como o computador será capturado
pelas redes existentes, que, por sua vez, são dinâmicas, construídas e
reconstruídas a todo instante, pelo contexto social, cultural e familiar em que
os idosos estão inseridos. Ouçamos o que o nosso grupo tem a nos informar:
Acho o computador uma coisa fora do comum.
De primeiro não existia uma máquina tão importante, tem a impressora, é uma
coisa fora do comum, sai as coisas tudo colorido, desenhos. Computador é uma
beleza ... (risos) (Cecília).
Fico encantada com os recursos do
computador, inserir uma figura, imprimir. O computador é um recurso muito
grande, uma facilidade muito grande (Cora).
A informática é uma coisa assim ...
importante ... Não sei te explicar ... É bom a gente ter uma coisa a mais... É um
conhecimento a mais. (Nélida).
Através das falas de nossas informantes, ficam evidentes as diversas
representações positivas que o computador assume para elas: “coisa fora do comum”, “máquina muito importante”, “uma beleza”, “recurso muito grande”, além de novamente ser enfatizado o aspecto
mágico da máquina (“sai as coisas tudo
colorido”).
Um outro aspecto a ser considerado é a crença de que os idosos não
necessitam da educação em informática, visto que já estão afastados do mundo do
trabalho. Porém, essa decisão deveria ser tomada pelos próprios idosos. Seria
esclarecedor ouvir o que duas das mulheres da nossa pesquisa têm a dizer:
Hoje praticamente ninguém vive sem a
informática. Todos os lugares, tudo, acho importantíssimo. Sou adepta de todos
os benefícios. Se eu pudesse teria todas as máquinas dentro de casa. Ainda vou
ter um microondas para facilitar minha vida. Embora eu não tenha computador,
acho importante acessar a Internet. Um dia vou ter um ... (Clarice).
Para essa idosa, a Internet constitui uma possibilidade de se conectar
com o mundo, talvez busque aí a possibilidade de sair do isolamento, da
alienação e até mesmo do envelhecimento.
Estou gostando de tudo que estou aprendendo.
Quero aprender também porque soube que em tanta coisa no computador e eu quero
saber de tudo que tem, tudo que posso fazer (Cecília).
Cecília mostra uma curiosidade sobre o que teria dentro do computador.
Detectamos aí novamente uma visão mágica do computador: entrar dentro da “caixa
de pandora”. Ela resolve querer entrar na máquina, descobrir seus mistérios e
deles fazer uso.
Fica evidente pelos depoimentos de nossas informantes os diferentes tipos
de motivação para a aprendizagem da informática. Mas, o que tem sido feito para
aproximar os idosos das novas tecnologias?
Temos
conhecimento do aumento de cursos de informática para a Terceira Idade. Várias
Universidades tais como a Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade
Federal de Minas Gerais, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, entre outras,
estão oferecendo cursos de informática para as pessoas idosas, através dos
Programas de Extensão para a Terceira Idade. Entretanto, são ainda iniciativas
isoladas. Falta-lhes, ainda, com raras exceções, um reconhecimento oficial, uma
definição de métodos e de objetivos e ainda uma divulgação dos resultados
obtidos. Embora já possamos contar, dentro da Nova Lei de Diretrizes e Bases
para a Educação (1996) com a previsão da educação tecnológica para o ensino
fundamental e médio, ela se atém à escola formal. Portanto, faltam políticas
governamentais que legitimem a educação em informática para outros grupos de
aprendizes.
A representação do idoso, do envelhecimento, de
velhice, vem sendo construída, modelada e remodelada. Enfim, vem sofrendo
transformações. Aliás, cremos mesmo que as representações estereotipadas dos
velhos vêm sofrendo transformações, que são o reflexo de um novo conceito de
envelhecimento, forjado a partir de uma nova imagem do idoso, da visibilidade
positiva veiculada pela mídia, de fatores sócio-econômicos e políticos e,
notadamente, da resistência silenciosa do próprio idoso.
Concordando com Berlinck (1994), pensamos que
existe uma grande expectativa, capacidade e disposição das pessoas de Terceira
Idade em serem usuários e em terem domínio de todos os dispositivos da
informática; há consciência, por parte da população de Terceira Idade, da
importância da informática para uma melhor integração na atual sociedade. No
nosso grupo de estudo, vimos o interesse unânime do grupo em adquirir um micro
computador, e ainda, a manipulação do Windows pelo grupo que se fez de uma forma prazerosa.
Na verdade, nossa investigação
corroborou esses aspectos apontados por Berlinck (1994) e acrescentou
outros:
·
diminuição
gradativa da dificuldade em manusear o computador, principalmente do mouse, à medida que o curso prosseguia;
·
a
representação positiva da informática, pelas alunas idosas, e diluição do medo
expresso no início do curso, à medida que passaram a dominar a máquina e os
termos técnicos;
·
o desejo
de continuar o curso manifesto por todas as alunas;
·
diminuição
gradativa da solicitação de ajuda do instrutor, à medida que as alunas foram se
tornando mais autônomas e mais ousadas na tentativa de novos comandos;
·
a participação ativa,
o bom humor, a alegria pelo aprendizado era uma constante por parte de todas as
alunas; e os erros constituíam motivo de risos, como nos mostrou Adélia,
chamando o instrutor (“me acode, (dá uma
risada), agora é que a porca torce o rabo. Cadê o a (letra a)? Digitei e
ela sumiu ...”);
·
o resgate
da auto-estima das senhoras perceptível através de suas falas (“...parece que não é mais aquela Adélia
sofredora, eu renasci, agora estou uma beleza”) e através dos cuidados que
passaram a ter com o próprio corpo (pintando o cabelo, passando batom, pintando
as unhas etc.);
·
o aumento das
habilidades relacionadas com a rapidez ao longo do curso.
Enfim, as idosas, na sua comunicação com o computador,
dialogaram com ele, conectaram novos valores, criaram novas associações nas
suas redes contextuais, construíram, assim, outros hipertextos, que resultaram
em novas representações da informática e outras significações para o
envelhecimento. Construíram representações para o computador, conferindo-lhe um
valor positivo. Para elas, o computador formou uma interface entre o mundo do
velho e o mundo da modernidade.
A atribuição de um significado
afetivo a essa interface permitiu que essas senhoras tivessem uma maior
disponibilidade interna no aprendizado da informática, fato que nos pareceu
ganhar importância cada vez maior, no contato social com o instrutor e com os
colegas.
Nesse processo de aprendizado
desenvolvido por um instrutor notadamente muito mais jovem que suas alunas da
Terceira Idade, devido tanto às limitações institucionais, como da
própria formação do instrutor, o curso de informática não teve uma metodologia
própria, voltada para o idoso. Acredito que as alunas teriam um maior
aproveitamento se a metodologia se adequasse à sua faixa etária.
Foi sugerido pelas alunas a confecção de uma
apostila, o que, pensamos, em muito auxiliaria na revisão das aulas, além de um
intervalo menor entre as aulas, além da ampliação da duração do curso.
Uma outra reivindicação de uma das alunas é que “fosse cobrado mais, que o professor fosse mais exigente, que desse
tarefas para casa e provas” (Clarice).
Vimos, através
dos questionários respondidos pelas alunas, que a
maior dificuldade apresentada foi em relação à memória; falavam que esqueciam o aprendido na aula anterior;
a maioria apontava como benefício, adquirido
com o curso, ter aprendido a digitar; como melhorias, sugeriam
além da confecção de apostila e um aumento do número de aulas para três na
semana; o maior interesse do grupo era
aprender a digitar, fazer cartões e mensagens, aprender a arquivar, e ainda
segundo Adélia:
... espero que me enxerguem com outros
olhos, me valorizem mais, pois as pessoas pensavam que eu nunca chegaria a esse
ponto.
Por tudo que vimos, que
ouvimos, temos certeza da necessidade da educação em informática para todos,
para que a distância entre os que a dominam e os que a desconhecem seja
diminuída. Para que a informação não se restrinja a apenas uma minoria. Compete
a todas as pessoas envolvidas com a construção de um mundo mais justo e
igualitário, contribuir para que o acesso a este “novo bem” esteja à disposição
do maior número de pessoas, do maior número de classes sociais, etnias, raças e
idades.
É função
da educação preparar os indivíduos para enfrentarem de forma consciente a
sociedade informatizada, bem como preparar a cultura local para as novas formas
de comunicação e informação, colocando à disposição os conhecimentos para todos
os cidadãos que deles necessitem. Aos educadores cumpre desenvolver uma
pedagogia do uso crítico da informática, com o objetivo de contribuírem para o
desenvolvimento de indivíduos capazes de interpretar sua realidade, conhecendo
o processo tecnológico e participando ativamente dele, propondo mudanças e
soluções. O processo educativo, no interior do qual se deve pensar o
computador, é aquele que prevê uma educação para todos, em todos os níveis, em
todas as idades.
Uma coisa é certa: uma divisão está sendo feita entre os que têm acesso à
tecnologia e os que não têm. Para diminuir essa distância, necessário se faz o
envolvimento do governo, da iniciativa privada e do sistema educacional, num
trabalho conjunto para garantir aos “sem tecnologia” o acesso a ela. Todos
juntos somos responsáveis para que a tecnodemocracia possa se tornar realidade.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALMEIDA, Fernando José de. Educação e informática: os computadores
na escola. São Paulo : Cortez, 1988.
BERLINCK, Aldete Büchler
Zorrón. A terceira idade e a sociedade
informatizada. São Paulo, 1994. (Dissertação de Mestrado - Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de São Paulo)
LÉVY, Pierre, As
tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática.
Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro : 34, 1993.
LEWIN, Kurt. Teoria
de campo em uma ciência social. Tradução de Carolina Martuscelli Bosi. São
Paulo : Livraria Pioneira, 1942.
SILVA, Maria Paula Rossi
Nascentes da. Os caminhos da
democratização da informática: as escolas de informática e cidadania do
Comitê para a Democratização da Informática.
Rio de Janeiro, 1998. (Dissertação de Mestrado - Departamento de Educação,
PUC-Rio)
[1] Este
trabalho constitui parte da dissertação de mestrado, defendida na PUC-Rio , em
agosto de 2000, tendo como orientadora a Professora Dra. Maria Apparecida
Campos Mamede-Neves
* Mestre em Educação
pela PUC-Rio e integrante do Programa Convênio MINTER PUC-Rio/FUNREI
fonte:
ichsufopbr
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